terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Inventário Marítimo


Os vermes, os gatos, os carros, os prédios, a espera, os pátios,
os jogos, as lutas, os brutos, as pátrias, as sombras, os vultos,
os estranhos, os mártires, os dias, as horas, as praças,
os copos, os olhos, a íris, os beijos, a casa, a noite e os cacos,
poemas e factos, os fados sem tema, o tempo quebrado, a dor, o dilema:
no fundo do mar.

Lisboa, Lisboa, Lisboa: Lisboa no fundo do mar.

Um dia, quem sabe, se homens, se aves, alguém virá para te encontrar de ruas abertas, desertas, cobertas por sombras azuis e corais, num silêncio terno,
eterno, imenso, de fachadas desiguais, de náufragos dias, saudades de pedra.
Quem te vir assim, esquecida no mar, irá procurar-te a vida.
E se então sonhar um tempo de amor, talvez pense em nós: querida.

Quinteto Tati

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Invenção do Amor

Nas tuas mãos repousa a minha vida
Falta-me um gesto teu para acordar
Pássaro triste, asa enfraquecida
Sem o teu corpo, o céu para voar
Nas tuas mão deixei a minha vida
Parar

Se tu soubesses tudo o que eu invento
Se adivinhasses quando eu te chamo
Amiga, noiva, nardo, irmã, lamento
Rosa de ausência que desfolho e amo
Se tu soubesses como o tempo é lento
Esperando

Tu voltarias como o sol na Primavera
Trazendo molhos de palavras como cravos
Trazendo o grito de uma força que se espera
E cheira a ceiva, medronhos bravos

Tu voltarias como a chuva no Outono
Trazendo molhos de palavras como nuvens
Trazendo a calma que abre as portas para o sonho
Trazendo o corpo sabendo a uvas, tu voltarias
Cantando

Das minhas mãos renasce a nossa vida
E sei que posso falar-te a toda a hora
Basta cantar-te para possuir-te
És o sítio onde o canto se demora
Estou a inventar-te e a destruir-te
Agora
Agora

Ary dos Santos

(Obrigada Joaninha)

Trém das Onze


Não posso ficar nem mais um minuto com você
Sinto muito amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã,
Se eu perder esse trem
Que sai agora as onze horas
Só amanhã de manhã.
Além disso mulher
Tem outra coisa,
Minha mãe não dorme
Enquanto eu não chegar,
Sou filho único
Tenho minha casa para olhar
E eu não posso ficar.

Adoniran Barbosa