quinta-feira, 28 de setembro de 2006




Quero tanto de ti
e tão próximo
que anseio que fosses o ar,
o chão,
as paredes,
tudo.

Que tudo o que tocasse
fossem os teus braços.
Que tudo o que sentisse
fossem os teus lábios.

Como quando fecho os olhos
e tudo o que não vejo és tu.
Como quando não durmo
e tudo o que sonho és tu.

Contigo não consigo respirar.
Sem ti não consigo viver.

Quero estar tão dentro de ti,
que nem a luz do dia exista para mim.
Quero abraçar-te tanto
que todo o mundo colapse
e desapareça num pequeno ponto
entre os meus braços.

Toca-me com as tuas mãos.
Faz-me desaparecer com a tua pele.
Sufoca-me na tua língua.
Arrasta-me pelo ar com o teu perfume.
Mata-me de vez.

TU se fosses chuva,
do céu só cairiam pérolas ...
E até o chão gritaria de prazer.

Maria Teresa Horta
Eu falho tanto.
Rio no pranto.
Choro quando danço.
Quero lá saber do tom do canto.

E ainda assim...

Sei que me queres,
Que fazes sempre
Por vontade
E nunca
Porque achas que deves.

Transformas-te em vento
Para matar a saudade.
Como posso,
Sequer em pensamento,
Pedir-te que não erres!

Sinto-me viva
Quando
Esqueces as horas
Os dias, os anos
Fazes um sorriso
Traquinas.

Dizes coisas
Tontas.
Abres os braços
Para ouvir melhor
A música que gostas.

Esqueces a chuva
E apanhas fruta
Madura, roubada.
Andas
Pela beira da estrada
Com o olhar glorioso
De quem não tem
Mapa nem bússola.

Ris até às lágrimas
Porque te sentes feliz
E
Fazes-me acreditar
Que é por eu estar
Ao teu lado.

domingo, 10 de setembro de 2006

Momento de Poesia


Se me ponho a trabalhar
e escrevo ou desenho,
logo me sinto tão atrasado
no que devo à eternidade,
que começo a empurrar pra diante do tempo
e empurro-o, empurro-o à bruta
como empurra um atrasado,
até que, cansado, me julgo satisfeito;
e o efeito da fadiga
é muito igual à ilusão da satisfação!
Em troca, se vou passear por aí
sou tão inteligente a ver tudo o que não é comigo,
compreendo tão bem o que me não diz respeito
sinto-me tão chefe do que é fora de mim,
dou conselhos tão bíblicos aos aflitos
de uma aflição que não é minha,
dou-me tão perfeitamente conta do que
se passa fora das minhas muralhas
como sou cego ao ler-me ao espelho,
que, sinceramente, não sei qual
seja melhor,
se estar sozinho em casa a dar à manivela do mundo,
se ir por aí ser o rei invisível de tudo o que não é meu.

Almada Negreiros

Eros e Psique


Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino-
Ela dormindo encantada
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 8 de setembro de 2006


Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda