sábado, 25 de outubro de 2008

A Invenção do Amor


Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de apa-
relhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor


Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana


Um homem e uma mulher que tinham os olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado


Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

(...)

Daniel Filipe

4 comentários:

Anónimo disse...

..."Que é isto? Um frasco tão apertado na mão do meu tão fiel amor? Agora vejo que foi o veneno que tão cedo o levou. Oh! Egoísta! Para que o bebeste tu todo e não deixaste uma gota amiga que me ajudasse a ir ter contigo? Vou beijar os teus lábios, meu amor; talvez aí encontre um resto de veneno, cujo bálsamo me fará morrer...(beija-o)Os teus lábios ainda estão quentes! (...)
Oh punhal abençoado! (agarrando no punhal de Romeu) Eis a tua bainha... (Apunhala-se) Cria ferrugem no meu peito e deixa-me morrer! (Cai sobre o cadáver de Romeu e expira)."...

Amor verdadeiro, amor eterno, amor absoluto, amor épico.
A própria invenção do amor.


Romeu e Julieta, de Shakespeare

Anónimo disse...

Gustave Klimt belíssima escolha.
A envolvência de cores, da textura, das personagens é incrível.
Sem dúvida dos meus pintores/inventores do amor favoritos.

:)

Tu inventas o amor?

Anónimo disse...

Pelas Chaves de Salomão...
Falar da invenção do amor quando se recordam termos como "amor verdadeiro", "amor eterno", "amor absoluto" e "amor épico" é castrar à partida tudo aquilo que ele pode ser a troco de um punhado de conceitos de levar para casa. Daniel Filipe propõe a "Invenção do Amor" como subversão, não importa se trágico ou cómico (nunca o descreve), mas como revolução que duas pessoas encetam contra aquilo que as rodeia. Uma intimidade particular, libertadora e criativa, daí que seja perseguida.

"o Beijo" é uma bela obra de arte, à primeira vista parece uma cena de amor... à segunda também. Apesar de ignorado durante mais de metade do século passado tornou-se um símbolo da revolução sexual dos 70s, e virou ícone pop. A parte interessante do quadro começa quando passamos meia-hora a observá-lo: porque está a mulher de joelhos?, porque é que a sua mão direita em vez de envolver se retrai?, é uma carícia aquilo que ela procura com a mão esquerda ou é uma tentativa afastar a mão que lhe manipula a face?, estão as mãos do homem a segurar a sua cabeça, ou a maniatá-la?, e se ela deseja aquele momento porque permanece a sua expressão passiva?... pode-se estar meia-hora com estas considerações para chegar à conclusão que ou ele não sabia pintar muito bem "um beijo" (e aquele pescoço disforme do homem?) ou não era exactamente "isso" que a obra procura transmitir...

Um belo beijo é este... ainda que encenado:

http://graphics8.nytimes.com/images/2007/08/06/nyregion/06kiss1.span.jpg

Anónimo disse...

um belo beijo sem dúvida.
uma bela explicação também.

contudo, cada um leva para casa os conceitos que quiser.