domingo, 30 de novembro de 2008

Inventário

Um dente d'ouro a rir dos panfletos
Um marido afinal ignorante
Dois corvos mesmo muito pretos
Um polícia que diz que garante

A costureira muito desgraçada
Uma máquina infernal de fazer fumo
Um professor que não sabe quase nada
Um colossalmente bom aluno

Um revolver já desiludido
Uma criança doida de alegria
Um imenso tempo perdido
Um adepto da simetria

Um conde que cora ao ser condecorado
Um homem que ri de tristeza
Um amante perdido encontrado
Um gafanhoto chamado surpresa

O desertor cantando no coreto
Um malandrão que vem pé-ante-pé
Um senhor vestidíssimo de preto
Um organista que perde a fé

Um sujeito enganando os amorosos
Um cachimbo cantando a marselhesa
Dois detidos de fato perigosos
Um instantinho de beleza

Um octogenário divertido
Um menino coleccionando estampas
Um congressista que diz Eu não prossigo
Uma velha que morre a páginas tantas

Alexandre O'Neill

1 comentário:

Anónimo disse...

Nasce um Rato

Capítulo Um
o último

"Esta história começa dentro das muralhas, com o nascimento de um rato. Um rato pequenino. O último rato a nascer de seus pais e o único sobrevivente da sua ninhada.

-Onde estão os meus filhos? - perguntou a mãe exausta, quando o seu sofrimento terminou. - Mostrem-me os meus filhos.

O pai rato ergueu um ratinho pequenino no alto.
-Apenas este resistiu - disse. - Os outros morreram.
-Mon dieu, só um ratinho bebé?
-Só um. Queres dar-lhe um nome?
-Tanto trabalho para nada - comentou a mãe.

Tratava-se de uma ratinha francesa que chegara ao castelo há muito, muito tempo, na bagagem de um diplomata francês que viera de visita. "Desilusão" era uma das suas palavras preferidas e usava-a muitas vezes.

-Vais dar-lhe um nome? - repetiu o pai.
-Se vou dar-lhe um nome? Se vou dar-lhe um nome? Claro que sim, mas ele morrerá como os outros. Oh, é tão triste. Oh, é tamanha a tragédia.
A mãe rata levou um lenço ao focinho e abanou-o em frente à cara. Fungou.

-Vou dar-lhe um nome. Sim. Chamarei a este rato Despereaux, por toda a tristeza, pelos muitos desesperos deste lugar.
(...)

-Vejam - disse um irmão chamado Furlough-, os olhos dele estão abertos. Papá, ele tem os olhos abertos. Não deviam estar abertos.
É verdade. Os olhos do Despereaux não deviam estar abertos. Mas estavam. Estava a fitar o sol que se reflectia do espelho de sua mãe. A luz brilhava em direcção ao tecto, numa auréola cintilante, e ele sorria ao vê-la.

-Passa-se alguma coisa com ele - disse o pai. - Deixem-no em paz.
Os irmãos e irmãs do Despereaux afastaram-se do novo ratinho.
(...)

-O último - disse o pai. - E morrerá em breve.
Não pode sobreviver. Não com os olhos assim abertos.
Mas, leitor, ele sobreviveu.
E esta é a sua história."

A lenda de Despereaux, a história de um rato, uma princesa, uma colher de sopa e um carrinho de linhas.

*

é isto.