Há muito que são velhas, vestidas
de preto até à alma.
Contra o muro
defendem-se do sol de pedra;
ao lume
furtam-se ao frio do mundo.
Ainda têm nome? Ninguém
pergunta, ninguém responde.
A língua, pedra também.
Eugénio de Andrade
Desabafos e filosofia de pacote sobre um prato de esparguete
2 comentários:
Por cada alma perdida neste inferno particular, há muitas outras fechadas nas suas loucuras - incapazes de saírem para o mundo que fica no limiar dos seus corpos. Embora pareçam estar ali, já não contam como pessoas presentes. O homem, por exemplo, que vai para toda a parte com um par de baquetas, repercutindo-as no pavimento num ritmo áspero e absurdo, desajeitadamente inclinado para a frente enquanto caminha ao longo da rua, batendo incessantemente no cimento. Talvez pense que está a fazer algo importante. Quem sabe: se não fizesse aquilo, se calhar a cidade desmoronar-se-ia. Se calhar a lua saía de órbita e esmagava-se contra a Terra. Há aqueles que falam sozinhos, que murmuram, que gritam, que resmungam, que contam histórias a si mesmos como se estivessem a contá-las a outros. O homem que vi hoje, sentado com um monte de lixo em frente da estação de Grand Central, as multidões passando apressadas por si, e ele a dizer alto, numa voz de pânico: "Fuzileiros do terceiro pelotão... A comer abelhas... As abelhas a rastejarem da minha boca." Ou a mulher gritando para um companheiro invisível: "E se eu não quiser?! E se eu não quiser, caralho?!"
em "A Trilogia de Nova York" de Paul Auster
O Sorriso
Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro,apetecia
entrar nele,tirar a roupa,ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr,navegar,morrer naquele sorriso.
de O Outro Nome da Terra
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