quinta-feira, 9 de maio de 2013

Fado Falado



Fado Triste
Fado negro das vielas
Onde a noite quando passa
Leva mais tempo a passar
Ouve-se a voz
Voz inspirada de uma raça
Que mundo em fora nos levou
Pelo azul do mar
Se o fado se canta e chora
Também se pode falar

Mãos doloridas na guitarra
que desgarra dor bizarra
Mãos insofridas, mãos plangentes
Mãos frementes e impacientes
Mãos desoladas e sombrias
Desgraçadas, doentias
Quando à traição, ciume e morte
E um coração a bater forte
Uma história bem singela
Bairro antigo, uma viela
Um marinheiro gingão
E a Emília cigarreira
Que ainda tinha mais virtude
Que a própria Rosa Maria
Em dia de procissão
Da Senhora da Saúde
Os beijos que ele lhe dava
Trazia-os ele de longe
Trazia-os ele do mar
Eram bravios e salgados
E ao regressar à tardinha
O mulherio tagarela
De todo o bairro de Alfama
Cochichava em segredinho
Que os sapatos dele e dela
Dormiam muito juntinhos 
Debaixo da mesma cama
Pela janela da Emília
Entrava a lua
E a guitarra 
À esquina de uma rua gemia,
Dolente a soluçar.
E lá em casa:
Mãos amorosas na guitarra
Que desgarra dor bizarra
Mãos frementes de desejo
Impacientes como um beijo
Mãos de fado, de pecado
A guitarra a afagar
Como um corpo de mulher
Para o despir e para o beijar
Mas um dia,
Mas um dia santo Deus, ele não veio
Ela espera olhando a lua, meu Deus
Que sofrer aquele
O luar bate nas casas
O luar bate na rua
Mas não marca a sombra dele
Procurou como doida
E ao voltar da esquina
Viu ele acompanhado
Com outra ao lado, de braço dado
Gingão, feliz, levião
Um ar fadista e bizarro
Um cravo atrás da orelha
E preso à boca vermelha
O que resta de um cigarro
Lume e cinza na viela,
Ela vê, que homem aquele
O lume no peito dela
A cinza no olhar dele
E o ciume chegou como lume
Queimou, o seu peito a sangrar
Foi como vento que veio
Labareda atear, a fogueira aumentar
Foi a visão infernal
A imagem do mal que no bairro surgiu
Foi o amor que jurou
Que jurou e mentiu
Correm vertigens num grito
Direito ou maldito que há-de perder
Puxa a navalha, canalha
Não há quem te valha 
Tu tens de morrer
Há alarido na viela
Que mulher aquela
Que paixão a sua
E cai um corpo sangrando
Nas pedras da rua
Mãos carinhosas, generosas
Que não conhecem o rancor
Mãos que o fado compreendem
e entendem sua dor
Mãos que não mentem
Quando sentem
Outras mãos para acarinhar
Mãos que brigam, que castigam
Mas que sabem perdoar
E pouco a pouco o amor regressou
Como lume queimou
Essas bocas febris
Foi um amor que voltou
E a desgraça trocou
Para ser mais feliz
Foi uma luz renascida
Um sonho, uma vida
De novo a surgir
Foi um amor que voltou
Que voltou a sorrir
Há gargalhadas no ar
E o sol a vibrar
Tem gritos de cor
Há alegria na viela 
E em cada janela
Renasce uma flor
Veio o perdão e depois
Felizes os dois
Lá vão lado a lado
E digam lá se pode ou não
Falar-se o fado.


Aníbal Nazaré e João de Barros

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o maior acto de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo correctamente e do medo de perder algo tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo.

José Saramago

Eu Não Existo Sem Você


Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos me encaminham pra você

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção

Só tem razão se se cantar

Assim como uma nuvem

Só acontece se chover

Assim como o poeta

Só é grande se sofrer

Assim como viver

Sem ter amor não é viver

Não há você sem mim
eu não existo sem você


Tom Jobim

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Inventário Marítimo


Os vermes, os gatos, os carros, os prédios, a espera, os pátios,
os jogos, as lutas, os brutos, as pátrias, as sombras, os vultos,
os estranhos, os mártires, os dias, as horas, as praças,
os copos, os olhos, a íris, os beijos, a casa, a noite e os cacos,
poemas e factos, os fados sem tema, o tempo quebrado, a dor, o dilema:
no fundo do mar.

Lisboa, Lisboa, Lisboa: Lisboa no fundo do mar.

Um dia, quem sabe, se homens, se aves, alguém virá para te encontrar de ruas abertas, desertas, cobertas por sombras azuis e corais, num silêncio terno,
eterno, imenso, de fachadas desiguais, de náufragos dias, saudades de pedra.
Quem te vir assim, esquecida no mar, irá procurar-te a vida.
E se então sonhar um tempo de amor, talvez pense em nós: querida.

Quinteto Tati

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Invenção do Amor

Nas tuas mãos repousa a minha vida
Falta-me um gesto teu para acordar
Pássaro triste, asa enfraquecida
Sem o teu corpo, o céu para voar
Nas tuas mão deixei a minha vida
Parar

Se tu soubesses tudo o que eu invento
Se adivinhasses quando eu te chamo
Amiga, noiva, nardo, irmã, lamento
Rosa de ausência que desfolho e amo
Se tu soubesses como o tempo é lento
Esperando

Tu voltarias como o sol na Primavera
Trazendo molhos de palavras como cravos
Trazendo o grito de uma força que se espera
E cheira a ceiva, medronhos bravos

Tu voltarias como a chuva no Outono
Trazendo molhos de palavras como nuvens
Trazendo a calma que abre as portas para o sonho
Trazendo o corpo sabendo a uvas, tu voltarias
Cantando

Das minhas mãos renasce a nossa vida
E sei que posso falar-te a toda a hora
Basta cantar-te para possuir-te
És o sítio onde o canto se demora
Estou a inventar-te e a destruir-te
Agora
Agora

Ary dos Santos

(Obrigada Joaninha)

Trém das Onze


Não posso ficar nem mais um minuto com você
Sinto muito amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã,
Se eu perder esse trem
Que sai agora as onze horas
Só amanhã de manhã.
Além disso mulher
Tem outra coisa,
Minha mãe não dorme
Enquanto eu não chegar,
Sou filho único
Tenho minha casa para olhar
E eu não posso ficar.

Adoniran Barbosa

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ai Rapaz


Ai,rapaz!
Se tu soubesses bem
como é que eu fico
quando vou ao bailarico
e te miro a dançar
ó-ai, à marcial...

Já tentei dançar assim também
a esse ritmo, cada passo com sentido
e eu nem gosto de marchar.
Ó-ai, mas quem me viu?!

Ai, rapaz, mas eu queria
uma valsa a três passos,
dar-te a mão e ver a vida,
agarrada a teus braços, ai...

Fui-me pôr
Sentada mesmo à frente
e ali esperei...
E a tantos eu neguei
o prazer da minha dança
ó-ai, que era só tua...

Mas o bar também chamou por ti,
num entretanto, e a banda ia tocando
e quando tu de lá voltaste
ó-ai, a valsa acabou!

Ai, rapaz, mas eu queria
ir na roda e ser teu par!
Dar-te a mão, ir na folia
E não mais eu te largar, ó-ai...

Foi então
Que a roda se fez,
ao largo, larga
tanta gente, muita farra
e nós ali na multidão
ó-ai, com outro par!

Fui passando
par a par, nem sei
quantos ao certo
e tu cada vez mais perto
e quando só faltava um
ó-ai, veio o leilão!

Ai, rapaz, o que eu queria
era um baile bem mandado
que nos guiasse à sacristia
e voltássemos casados,ai...

E do palco
surgiu uma voz
e a concertina:
"Roda manel, vira maria
e quem não vira perde a roda!"
Ó-ai, e eu virei!

Mas a voz,
puxada à concertina,
mais pedia
e acelarava a melodia
os pés trocavam-se no chão
Ó-ai, e assim foi...

Ai, rapaz, e foi o baile,
sem alma nem coração
mal cantado e mal mandado
que me atirou ao chão,ó ai...

E foste tu a dar-me a mão...

Deolinda


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Kite


Something is about to give
I can feel it coming
I think I know what it is
I'm not afraid to die
I'm not afraid to live
And when I'm flat on my back
I hope to feel like I did

Cause hardness, it sets in
You need some protection
The thinner the skin

I want you to know
That you don't need me anymore
I want you to know
You don't need anyone, anything at all

Who's to say where the wind will take you
Who's to say what it is will break you
I don't know which way the wind will blow
Who's to know when the time has come around
Don't wanna see you cry
I know that this is not goodbye

In summer I can taste the salt in the sea
There's a kite blowing out of control on a breeze
I wonder what's gonna happen to you
You wonder what has happened to me

I'm a man, I'm not a child
A man who sees
The shadow behind your eyes

Who's to say where the wind will take you
Who's to say what it is will break you
I don't know where the wind will blow
Who's to know when the time has come around
I don't wanna see you cry
I know that this is not goodbye

Did I waste it?
Not so much I couldn't taste it
Life should be fragrant
Roof top to the basement
The last of the rock stars
When hip hop drove the big cars
In the time when new media
Was the big idea
That was the big idea

U2

domingo, 17 de outubro de 2010

A Invenção do Amor (II)

(...)

Ficou provado que não se conheciam
Encontraram-se ocasionalmente num bar de hotel numa
tarde de chuva
sorriram e inventaram o amor com carácter de urgência
mergulharam cantando no coração da cidade

Importa descobri-los onde quer que se escondam
antes que seja demasiado tarde
e o amor como um rio inunde as alamedas
praças becos calçadas quebrando nas esquinas

Já não podem escapar Foi tudo calculado
com rigores matemáticos Estabeleceu-se o cerco
A polícia e o exército estão a posto Prevê-se
para breve a captura do casal fugitivo

(Mas um grito de esperança inconsequente vem
do fundo da noite envolver a cidade
au bout du chagrin une fenêtre ouverte
une fenêtre eclairée)

Daniel Filipe