Prefácio
Que havia eu, um artista, de fazer? Como havia eu de trabalhar, de pintar, de viver!
Tentei agarrar-me a uns fiapos de memória, mas não eram suficientes.
Roberto Innocenti, J. Patrick Lewis
Desabafos e filosofia de pacote sobre um prato de esparguete
Tão abstracta é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que o sonho o que me sinto sendo.
Fernando Pessoa
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
Mas para quê gastar o meu tempo
A ver se aperto a tua mão
Eu tenho andado a pensar
Já
Dizes que eu dou só por gostar
Pois vou dar-te a provar
O travo amargo da solidão
É só mais um dia mau
Ornatos Violeta
Under blue moon I saw you
So soon you’ll take me
Up in your arms
Too late to beg you or cancel it
Though I know it must be the killing time
Unwillingly mine
Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him
In starlit nights I saw you
So cruelly you kissed me
Your lips a magic world
Your sky all hung with jewels
The killing moon
Will come too soon
Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him
Under blue moon I saw you
So soon you’ll take me
Up in your arms
Too late to beg you or cancel it
Though I know it must be the killing time
Unwillingly mine
Unwillingly mine
Nouvelle Vague
We sit and watch umbrellas fly
I'm trying to keep my newspaper dry
I hear myself say,
"My boat's leaving now"
...so we shake hands and cry
Now I must wave goodbye
Wave goodbye
You know
I don't want to cry again
I'll never see your face again
I don't want to cry again
We leave to their goodbyes
I've come to depend on the look in
their eyes
My blood's sweet for pain
The wind and the rain brings back
words of a song
And they say wave goodbye
Wave goodbye
You know
I don't want to cry again
I'll never see your face again
I don't want to cry again
...So I read to myself
A chance of a lifetime to see new horizons
On the front page
A black and white picture of
Manhattan Skyline
Kings of Convenience
Sometimes I feel I've got to
Run away I've got to
Get away
From the pain that you drive into the heart of me
The love we share
Seems to go nowhere
And I've lost my light
For I toss and turn I can't sleep at night
Once I ran to you
Now I'll run from you
This tainted love you've given
I give you all a boy could give you
Take my tears and that's not nearly all
Oh...tainted love
Tainted love
Now I know I've got to
Run away I've got to
Get away
You don't really want it any more from me
To make things right
You need someone to hold you tight
And you'll think love is to pray
But I'm sorry I don't pray that way
Don't touch me please
I cannot stand the way you tease
I love you though you hurt me so
Now I'm going to pack my things and go
Tainted love, tainted love
Touch me baby, tainted love
Tainted love
Soft Cell
Não sei. Falta-me um sentido, um tacto
Para a vida, para o amor, para a glória…
Para que serve qualquer história,
Ou qualquer facto?
Estou só, só como ninguém ainda esteve,
Oco dentro de mim, sem depois nem antes.
Parece que passam sem ver-me os instantes
Mas passam sem que o seu passo seja leve.
Começo a ler, mas cansa-me o que ainda não li.
Quero pensar, mas dói-me o que irei concluir.
O sonho pesa-me antes de o ter. Sentir
É tudo uma coisa como qualquer coisa que já vi.
Álvaro de Campos
Dorme enquanto eu velo…
Deixa-me sonhar…
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.
A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.
Dorme, dorme, dorme,
Vaga em teu sorrir…
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.
Fernando Pessoa
Eu tenho um fraquinho por ti
tu não me dás atenção
tu não me passas cartão
quando me ponho a teu lado
tremo nervoso de agrado
e meto os pés pelas mãos
tu vais gozando um bocado
a beber vinho tostão
eu com o discurso engasgado
fico a um canto, que arrelia
de toda a cervejaria
onde vais rasgar a noite
se te olho com ternura
olhas-me do alto da burra
que mais parece um açoite
é um susto um arrepio
que me malha em ferro frio.
Eu tenho um fraquinho por ti
que me vai de lés a lés
tu dás-me sempre com os pés
quando me atiro enamorado
num estilo desajeitado
disfarço em bagaço e café
tu fumas o teu cruzado
e fazes troça, pois é,
já tenho o caldo entornado
esqueces-me da noite p´ro dia
em alegre companhia
de batidas e rodadas
tu ficas nas sete quintas
marimbas, estás-te nas tintas
p´ra que eu ande às três pancadas
basta um toque sedutor
eu cá sou um pinga-amor.
Eu tenho um fraquinho por ti
que me abrasa o coração
quase me arrasa a razão
a tua risada rasteira
põe-me de rastos, à beira
do enfarte da congestão
encharco-me em chá de cidreira
mofas de mim atiras-te ao chão
zombando à tua maneira
lá fazes a despedida
ao grupo que vai de saída
dos amigos da Trindade
mas no fim da noite, à noitinha,
tu ficas triste e sozinha
à procura de amizade
e como é costume teu
chamas o parvo que sou eu.
Afino uma voz de tenor
ensaio um ar duro de macho
quando estás na mó de baixo
quero ver-te arrependida
mas numa manobra atrevida
rufia, muito mansinha,
dás-me um beijo e uma turrinha
que me põe num molho num cacho
estremeço com pele de galinha
e gosto de ti trapaceira
da tua piada certeira
do teu aparte final
do teu jeito irreverente
do teu aspecto contente
do teu modo bestial
noutra palavra mais quente
eu tenho um fraquinho por ti.
Fausto
Eu quero brincar à escondidas contigo e dar-te as minhas roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me nos degraus enquanto tu tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e encontrar-me contigo no Rudy e falar sobre o dia e passar à máquina as tuas cartas e carregar as tuas caixas e rir da tua paranóia e dar-te cassetes que tu não ouves e ver filmes óptimos, ver filmes horríveis e queixar-me da rádio e tirar-te fotografias a dormir e levantar-me para te ir buscar café e brioches e folhados e ir ao Florent beber café à meia-noite e tu a roubares-me os cigarros e nunca conseguir achar sequer um fósforo e falar-te sobre o programa de televisão que vi na noite anterior e levar-te ao oftalmologista e não rir das tuas piadas e querer-te de manhã mas deixar-te dormir um bocado e beijar-te as costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo dos teus olhos dos teus lábios do teu pescoço dos teus peitos do teu rabo do teu
Sarah Kane
A princípio é simples anda-se sozinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no burborinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo e dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se e come-se se alguém nos diz bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Depois vem cansaços e o corpo fraqueja
molha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso por curto que seja
apagam-se duvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
E enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Entretanto o tempo fez cinza da brasa
outra maré cheia virá da maré vaza
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
Sérgio Godinho
Golden brown texture like sun
Lays me down with my mind she runs
Throughout the night
No need to fight
Never a frown with golden brown
Every time just like the last
On her ship tied to the mast
To distant lands
Takes both my hands
Never a frown with golden brown
Golden brown finer temptress
Through the ages she's heading
West
From far away
Stays for a day
Never a frown with golden brown
Never a frown
With golden brown
Never a frown
With golden brown
The Stranglers
Tu estás livre e eu estou livre
E há uma noite para passar
Porque não vamos unidos
Porque não vamos ficar
Na aventura dos sentidos
Tu estás só e eu mais só estou
E tu que tens o meu olhar
Tens a minha mão aberta
À espera de se fechar
Nessa tua mão deserta
Vem que o amor
Não é o tempo
Nem é o tempo
Que o faz
Vem que o amor
É o momento
Em que eu me dou
Em que te dás
Tu que buscas companhia
E eu que busco quem quiser
Ser o fim desta energia
Ser um corpo de prazer
Ser o fim de mais um dia
Tu continuas à espera
Do melhor que já não vem
E a esperança foi encontrada
Antes de ti por alguém
E eu sou melhor que nada
Louco, sim louco, porque quis grandeza
Qual a sorte a não dá.
Não coube em minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha Loucura, outros que a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que besta sadia,
Cadáver adiado procria?
Todo dia um ninguém josé acorda já deitado
Todo dia ainda de pé o zé dorme acordado
Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia
Toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado
De que o dia insiste
Mas
Pra
Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada
Toda Bossa é nova e você não liga se é usada
Todo o carnaval tem seu fim
Todo o carnaval tem seu fim
E é o fim, e é o fim
Deixa eu brincar de ser feliz,
Deixa eu pintar o meu nariz
Toda banda tem um tarol, quem sabe eu não toco
Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco
Toda escolha é feita por quem acorda já deitado
Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado
E pinta o estandarte de azul
E põe suas estrelas no azul
Pra que mudar?
Deixa eu brincar de ser feliz,
Deixa eu pintar o meu nariz
Não vou procurar quem espero
Se o que eu quero é navegar
Pelo tamanho das ondas
Conto não voltar
Parto rumo à primavera
Que em meu fundo se escondeu
Esqueço tudo do que eu sou capaz
Hoje o mar sou eu
Esperam-me ondas que persistem
Nunca param de bater
Esperam-me homens que desistem
Antes de morrer
Por querer mais do que a vida
Sou a sombra do que eu sou
E ao fim não toquei
Do
.
Eu vi
Mas não agarrei
.
Parto rumo à maravilha
Rumo à dor que houver pra vir
Se eu encontrar uma ilha
Paro pra sentir
E dar sentido à viagem
Pra sentir que eu sou capaz
Se o meu peito diz coragem
Volto a partir
.
Eu
Mas não agarrei
Na sombra Cleópatra jaz morta.
Chove.
Chove sempre.
Tua alma é a cidade longínqua.
Chove friamente.
Todos nós embalamos ao colo um filho morto.
Chove, Chove.
Vejo-o no gesto com que os teus dedos não deixam os teus anéis.
Porque é que chove?
Fernando Pessoa
Como vai você?
Eu preciso saber da sua vida
Peça a alguém pra me contar sobre o seu dia
Anoiteceu e eu preciso só saber
Como vai você?
Que já modificou a minha vida
Razão de minha paz já esquecida
Nem sei se gosto mais de mim ou de você
Vem, que a sede de te amar me faz melhor
Eu quero amanhecer ao seu redor
Preciso tanto me fazer feliz
Vem, que o tempo pode afastar nós dois
Não deixe tanta vida pra depois
Eu preciso só saber
Como vai você
Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
.
Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai
.
Mas, se ela voltar
Se ela voltar que coisa linda!
Que coisa louca!
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca
.
Dentro dos meus braços, os abraços
Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim,
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
.
Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim
Não quero mais esse negócio
De você longe de mim
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim
.
Toquinho/Vinicius de Moraes